COP30: Reta final com avanços visíveis e possíveis lacunas
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- há 5 dias
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Durante a COP30, realizada em Belém, o Brasil passou a se posicionar como articulador global na governança do mercado global de carbono na COP30. No evento, o país assumiu uma posição central na agenda internacional de descarbonização ao anunciar a criação da Coalizão Aberta de Mercados Regulados de Carbono. A iniciativa busca integrar países que já possuem sistemas estruturados de comércio de emissões, fortalecendo a transparência, a padronização e a credibilidade das transações internacionais de créditos de carbono. O anúncio sinalizou uma mudança de escala na atuação brasileira: o país deixa de ser apenas um ator relevante em clima e biodiversidade. Neste post, você entende como funciona esse mercado, de onde ele surgiu e o que a nova coalizão representa para o futuro da economia verde.

Na segunda semana da COP30, realizada em Belém, Pará, entre os dias 10 e 21 de novembro, a conferência mundial do clima entrou em sua fase decisiva marcada por uma combinação de expectativas altas e obstáculos concretos. Em diversas frentes, foram anunciados programas, fundos e coalizões que indicam avanços, sobretudo em áreas como conservação de florestas, natureza e justiça socioambiental. Ao mesmo tempo, emergiram sinais de fragilidade nas negociações sobre a transição energética e a eliminação dos combustíveis fósseis, considerada por muitos o eixo central para manter vigente a meta de aquecimento global de 1,5 °C.
O ambiente, portanto, revelou-se de ambivalência profunda: por um lado, a COP30 mostrou disposição para construir instrumentos novos; por outro, ficou evidente que a “fase de implementação” ainda está longe de se consolidar. No palco da Amazônia, local simbólico forjado para ressaltar o papel da floresta no balanço global do clima, as contradições ficaram explícitas: proteção ambiental e dependência fóssil, inclusão social e desafios institucionais, discurso e infraestrutura.
Incêndio na Zona Azul
Na quinta-feira da segunda semana, aconteceu um episódio que chamou atenção para vulnerabilidades práticas da conferência: um incêndio deflagrou num pavilhão da chamada Zona Azul, a área reservada a delegações, jornalistas e negociadores, obrigando à evacuação emergencial dos presentes. Apesar do fogo ter sido controlado em cerca de seis minutos, e de treze pessoas terem sido atendidas por inalação de fumaça, o incidente expôs uma série de fragilidades operacionais em pleno centro dos debates globais.

O evento impactou diretamente o cronograma: reuniões chaves foram deslocadas ou suspensas temporariamente, o que gerou atrasos em momentos em que urgência e ritmo eram condições essenciais. A mudança forçada de salas, a evacuação dos participantes e a revisão de protocolos de segurança tornaram-se parte do cenário, enquanto negociadores retomavam encontros com menos fluidez. É relevante observar que, em uma conferência em que a credibilidade técnica e simbólica conta, falhas logísticas como essa embatem com o propósito de “execução” que o encontro busca.
O episódio reacendeu questionamentos sobre preparo, responsabilidade e contingência. A investigação da Polícia Federal sobre a possível origem do fogo, citando indícios de curto-circuito ou falha elétrica em equipamento dentro da área restrita, coloca em foco não apenas o ocorrido, mas o que ele revela sobre o nível de exigência para eventos de tal escala. O fogo foi conteúdo factual, alarme para o simbolismo e teste para a confiança institucional da COP30.
O manifesto científico e o apelo por um roadmap concreto

Enquanto ocorria o incidente na infraestrutura da conferência, nos corredores e salas de imprensa se fortalecia a voz da comunidade científica. Pesquisadores entregaram às delegações um manifesto demandando que a COP30 fosse o momento de instituir um “roteiro claro” para a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis — carvão, petróleo e gás. No documento, alertam para os impactos severos da crise climática, citando secas prolongadas na Amazônia, colapso de recifes, riscos elevados para comunidades vulneráveis e o esgotamento acelerado do orçamento de carbono para atingir 1,5 °C.
Paralelamente, mais de 80 países (alguns relatórios citam 83) endossaram publicamente uma chamada por esse roadmap na COP30. A adesão desse número é relevante: representa uma base política significativa para mover o tema dos combustíveis fósseis para o centro da agenda climática. No entanto, a natureza da proposta ainda levantava divergências cruciais: prazos, responsabilidades, financiamento, mecanismo de monitoramento, execução justa.
A presidência da COP30, por meio de declarações e posicionamentos, reconheceu a importância de um “roteiro de transição” para os combustíveis fósseis, mas os textos negociados até a reta final apresentavam linguagem considerada por muitos analistas como “vaga” ou sem metas vinculantes. Esse descompasso entre apelo e texto formaliza uma das tensões centrais da segunda semana: mobilização crescente, mas ainda sem o desenho final da política global.
Implementação em primeiro plano: floresta, justiça e financiamento verde
Na contracorrente das dificuldades em torno do roadmap fóssil, a COP30 avançou com maior clareza em outras frentes, especialmente naquelas ligadas à natureza, comunidades locais e justiça climática.
Entre os destaques da segunda semana:
Foi lançado o mecanismo Tropical Forests Forever Facility (TFFF), que prevê mais de US$ 5,5 bilhões para a conservação de florestas tropicais, com apoio de 53 países. O modelo baseia-se em resultados: os países que conseguirem demonstrar redução de desmatamento ou maior conservação das florestas tropicais poderão acessar os recursos.
A abordagem de “governança ambiental” ganhou protagonismo. A presença de povos indígenas e comunidades tradicionais nas negociações foi intensificada, e foram anunciados mecanismos para aumentar a participação desses atores nos processos decisórios de financiamento climático. Esta ênfase também visou incorporar a justiça climática como parte integrante da política global, e não apenas como adendo.
No setor agrícola, foi apresentada a chamada Iniciativa RAIZ, voltada à recuperação de áreas agrícolas degradadas, promoção de sistemas alimentares sustentáveis e o protagonismo feminino nas comunidades vulneráveis. Painéis da segunda semana dedicaram atenção ao papel das mulheres no desenvolvimento de práticas de resiliência climática e restauração da terra.
Um compromisso de US$ 1,8 bilhão foi anunciado para a regularização de terras tradicionais, fortalecendo o reconhecimento de territórios indígenas e locais como parte estratégica da solução climática global.
Esses avanços podem ser interpretados como sinais de que a COP30 assume com maior diligência o desafio de sair da retórica e delinear instrumentos concretos — ou pelo menos mais estruturados — para atuação prática. A magnitude dos valores anunciados e a diversidade de frentes (florestas, terras, agricultura regenerativa) reforçam essa leitura. Ainda assim, permanece o desafio da implementação: colocar em funcionamento os mecanismos, distribuir os recursos, monitorar os resultados e garantir equidade.
O roadmap em disputa: o nó da transição energética
Se a agenda de natureza e justiça caminhou com certa leveza, o tema da transição energética e dos combustíveis fósseis concentrou as principais controvérsias. O “roadmap” para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis tornou-se o epicentro da disputa diplomática na segunda semana da COP30.
Elementos em debate
Entre os componentes que os países e organizações consideram essenciais para esse roadmap estão:
definição de prazos claros para redução e eliminação do uso de carvão, petróleo e gás
retirada progressiva de subsídios aos combustíveis fósseis
apoio financeiro robusto para países em desenvolvimento para garantir uma transição justa
mecanismos de monitoramento, verificação e prestação de contas
condições para trabalhadores e regiões economicamente dependentes de combustíveis fósseis
Convergências e divergências
Convergências: houve um aumento expressivo da base de países que reconhecem a necessidade de um roadmap, e o setor empresarial também assinou declarações em que apela por um roteiro para planejamento energético. O bloco europeu, depois de negociar internamente (com reservas de países como Itália e Polónia), apresentou uma proposta de “Mutirão” para o roadmap dentro da COP30.
Divergências: entretanto, o rascunho de decisão da presidência da COP30 não incluiu cláusulas vinculantes de eliminação de combustíveis fósseis; o texto, segundo críticas, manteve linguagem frouxa, sem cronograma definido e sem obrigações legalmente vinculativas. Países com grande dependência de combustíveis fósseis ou exportadores de energia apontaram para os riscos econômicos da transição, o que diluiu a ambição final do documento.
Por que isso importa
A razão dessa disputa está no cerne da crise climática: sem um plano concreto para reduzir o uso de combustíveis fósseis, os compromissos de conservação de florestas, natureza e adaptação voltam a ficar condicionados a “contornos de segurança” na transição energética global. O documento do roadmap, assim, não é apenas uma formalidade diplomática — é o instrumento capaz de oferecer previsibilidade aos investimentos, orientar políticas públicas, e conectar ambição e implementação.
Na segunda semana, o panorama era o seguinte: mobilização forte, texto em negociação, mas sem produto final definidamente robusto. Num contexto de urgência climática crescente — com relatórios apontando para recordes de emissões e orçamentos de carbono cada vez mais apertados — a ausência de um roadmap claro é vista como risco concreto para a credibilidade da COP30.
Tensão entre floresta e fóssil: simbiose de agendas e rupturas
A segunda semana da COP30 trouxe à luz uma tensão estrutural: o foco crescente em natureza e comunidades locais não se sobrepõe — e tampouco pode substituir — o desafio da transição energética. Proteção florestal, regularização fundiária, agricultura regenerativa são componentes importantes da resposta climática, mas eles convivem com a dependência global de carvão, petróleo e gás.
No caso da COP30, essa tensão se manifestou de dois modos distintos:
Simultaneidade simbólica – enquanto países anunciavam instrumentos de conservação da natureza, outros atores negociavam com reservas ou resistência a um cronograma rigoroso de eliminação de combustíveis fósseis.
Infraestrutura e credibilidade – o episódio do incêndio na Zona Azul, embora de caráter operacional, circulou como metáfora para a fragilidade estrutural de um evento que se pretendeu “decisivo”. Em essência: se nem a infraestrutura diplomática esteve isenta de falhas, qual confiança cabe depositar nos mecanismos de implementação anunciados?
Esse cenário exige ler a COP30 com matizes e sob o prisma da interdependência: proteger florestas, financiar adaptação, valorizar comunidades indígenas são dimensões fundamentais que caminham junto — não isoladas — da descarbonização global. O desenho de políticas climáticas hoje exige abordagem sistêmica: natureza + energia + finanças + justiça.
Financiamento climático: condição de viabilidade
Um dos alicerces que atravessou toda a segunda semana foi o tema do financiamento climático – condição indispensável para que metas e promessas se convertam em ação.
Alguns pontos centrais emergiram:
Estimativas recentes indicam que as emissões de CO₂ provenientes de combustíveis fósseis e cimento poderão alcançar novo recorde em 2025. Isso intensifica a pressão sobre países e instituições para acelerar medidas.
Delegações de países em desenvolvimento reservaram-se para afirmar que o financiamento climático precisa ser previsível, de longo prazo, e permitir transições econômicas inclusivas — não apenas promessas pontuais.
Em termos de resultado concreto, o lançamento do TFFF e o compromisso de US$ 1,8 bilhão para terras tradicionais são respostas visíveis, mas não substituem o desafio de mobilizar trilhões de dólares em infraestrutura e energia limpa nas próximas décadas.
O documento “Baku-to-Belém Roadmap” pretende mobilizar cerca de US$ 1,3 trilhão por ano até 2035 para a transição climática, mas ainda carece de consolidação operacional.
Por fim, o financiamento climático aparece como o elo crítico: sem ele, os mecanismos ficam em anúncio; com ele, abre-se caminho para execução — mas com ele também surgem desafios de governança, equidade e eficiência.
Legado possível — e os alertas para o que não pode falhar
À medida que a segunda semana chegava ao fim, os analistas começaram a mapear o que a COP30 poderá deixar para a agenda global — e o que corre risco de não entregar.
Legados reais em perspectiva
A TFFF e os compromissos associados fortalecem a noção de que florestas e natureza são bens climáticos estratégicos, merecendo tratados e financiamento específicos.
O protagonismo de povos indígenas, comunidades locais e mulheres em painéis técnicos tende a democratizar a agenda climática, incorporando perspectivas antes marginalizadas.
A adesão substancial de países à ideia de roadmap fóssil indica que o tema agora ocupa lugar de destaque na diplomacia climática — ainda que sem detalhamento final.
Alertas para o pós-Belém
Se o roadmap não vier com cronograma, recursos, verificação e justiça embutidos, corre-se o risco de que seja mais uma “declaração aspiracional” do que plano de implementação.
A transição energética exige que investimentos, infraestrutura, capacitação e apoio social caminhem juntos. Se não for abordado de forma integrada, os efeitos poderão ser desiguais e provocar resistência política.
A credibilidade da COP30 poderá depender também da execução dos compromissos anunciados aqui. Se muitos deles permanecerem em papel, o “momentum” diplomático pode perder força.
Da promessa à ação — o desafio está lançado
Na segunda semana da COP30, vimos que a conferência não está entregue apenas a debates – houve anúncios, instrumentos e mobilização política concreta. A COP deixou de ser um balcão de intenções e avançou para o território da operacionalização em várias frentes — especialmente natureza, justiça climática e finanças.
Por outro lado, ficou claro que a “fase de ação” ainda carece de um dos seus componentes mais estruturantes: um plano global e articulado para a transição energética, com foco nos combustíveis fósseis. Se a partitura do roadmap não for afinada, o risco é que o futuro das negociações climáticas se desgaste em promessas não cumpridas.
Para a comunidade internacional, para o Brasil que sediou o evento e para os atores privados e sociais que participam ou acompanham, o chamado é simples (mas exigente): transformar os anúncios de Belém em políticas domésticas, investimentos reais, infraestruturas resilientes e processos transparentes. A COP30 poderá, assim, se tornar não só um marco diplomático, mas o início de uma trajetória executiva. Se não, corre o risco de ser lembrada como mais um encontro onde o “mapa” foi discutido — e não usado.
Fontes:
“83 Countries Join Call to End Fossil Fuels at COP30” – Earth.Org. (Earth.Org)
“Business Coalition at COP30 Urges Transition Away From Fossil Fuels” – Earth.Org. (Earth.Org)
“More than 80 countries at COP30 join call for roadmap to fossil fuel phase-out” – The Guardian. (The Guardian)
“Cop: 80 nations back roadmap on shift from fossil fuels” – Argus Media. (Argus Media)
“Double down on push to abandon fossil fuels, 82 countries urge at climate summit” – Politico. (Politico)
“COP30 Statement for a Fossil Fuel Roadmap” – We Mean Business Coalition. (We Mean Business Coalition)
“Direct Access for Indigenous Peoples Is Key to the Effectiveness of the Tropical Forests Forever Facility (TFFF)” – Rainforest Foundation US. (Rainforest Foundation US)
“Brazil announces a new platform to support countries access the Tropical Forests Forever Facility” – UNDP/ClimatePromise. (UNDP Climate Promise)
“TFFF reaches US$ 5.5 billion in funding” – MercoPress. (MercoPress)
“EU rift on fossil-fuel roadmap threatens strong COP30 outcome” – ClimateHomeNews. (Climate Home News)



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