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Pastagens e Lavouras Dobram Emissões de Carbono na Amazônia

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    Amazon Connection Carbon
  • há 7 dias
  • 8 min de leitura

A Amazônia Legal Brasileira (ALB) — que responde por cerca de 58,9% do território nacional — enfrenta hoje um dos maiores dilemas socioambientais do país: conciliar sua extraordinária capacidade de sequestrar carbono com a contenção persistente do desmatamento. O resultado dessa equação reverbera em escala continental, com impactos diretos sobre o clima, a biodiversidade e as emissões brasileiras de gases de efeito estufa.


No ciclo de dados mais recente do PRODES/INPE, a taxa consolidada de corte raso no bioma entre 2022 e 2023 foi de 9.064 km², o que representa uma queda de 21,8% em relação ao ciclo anterior (11.594 km²). Mesmo assim, esse índice ainda expressa desequilíbrios graves no balanço de carbono regional. Em um sinal que preocupa, o sistema de alertas DETER apontou 960 km² de desmatamento apenas em maio de 2025 — um salto de 91% frente ao mesmo mês de 2024 — sugerindo o risco de reversão da tendência de queda.


Esses números deixam claro: não basta estancar o avanço de áreas novas, é necessário manter e recuperar carbono nos ecossistemas já degradados, bem como reforçar a vigilância e a política florestal.


O ciclo do carbono amazônico e os impactos do uso da terra

Florestas em pé operam como verdadeiras “baterias vivas”: por meio da fotossíntese, retiram CO₂ da atmosfera, transformando-o em biomassa vegetal (tronco, raízes, folhas) e o armazenam por décadas. Conforme trabalho de Phillips et al. (2016), florestas maduras da região amazônica têm participado de forma expressiva no amortecimento das mudanças climáticas globais, embora nem sempre isso seja refletido em políticas nacionais de valorização desse serviço ambiental.


Entretanto, a pressão de conversão de floresta para pastagens, lavouras e outros usos pode alterar esse fluxo de carbono, transformando zonas que absorviam carbono em emissoras líquidas. Um estudo emblemático, “Changes in Carbon Dioxide Balance...” (Crivelari-Costa et al., Remote Sensing, 2023), que tratou de imagens de satélite de 2009 a 2019, quantificou alguns desses efeitos:


  • A floresta intacta da Amazônia absorve, em média, 211,05 TgC/ano (teragramas de carbono) — equivalente a 211 milhões de toneladas de carbono;

  • A conversão parcial de floresta para pastagem ou lavoura reduziu a absorção em cerca de 5,82 TgC/ano, liberando CO₂ para a atmosfera;

  • Em áreas convertidas (totalizando 100.340,39 km² no recorte do estudo), as emissões quase duplicaram, comparadas ao estoque original de carbono dessas florestas.


Ou seja: cada hectare de floresta preservada equivale a um vetor de regulação climática irreversível. A perda desse serviço representa não apenas impacto local, mas um custo global que normalmente é externalizado.


Estudos mais recentes sugerem que parte da Amazônia já caminha para um ponto de inflexão: com aquecimento, secas mais intensas e degradação florestal acumulada, algumas áreas podem passar de sumidouros de carbono para emissores, um fenômeno conhecido como “flip” (inversão). Pesquisas da NOAA indicam que essa transição já estaria em curso em certas regiões do bioma.


Também vale menção recente à função de manguezais amazônicos, que tradicionalmente são subestimados. Um estudo de Bernardino et al. (2024) demonstra que evitar o desmatamento de manguezais na Amazônia Legal poderia evitar emissões da ordem de 0,9 ± 0,3 Tg CO₂e/ano, o equivalente ao sequestro de carbono de cerca de 82.400 hectares de floresta secundária.


Além disso, o artigo “Managing ecosystem services in the Brazilian Amazon” (Leal Filho et al., 2025) reforça que desmatamento e degradação florestal desde os anos 1970 já provocaram perda de cerca de 15% da cobertura original, pressionando biodiversidade, funções hídricas e os próprios sumidouros regionais de carbono.


Esses trabalhos mostram que a Amazônia não é “reservatório infinito”, mas um sistema dinâmico sujeito a rupturas. Portanto, políticas e decisões de uso da terra devem calibrar metas mais ambiciosas do que simplesmente “não converter”.


Restauração, uso integrado e novas fronteiras para o sequestro


Diante desse cenário desafiador, emergem estratégias que buscam reverter a lógica de explorar à custa de degradar. Duas dessas estratégias — sistemas silvipastoris e agroflorestais integrados — despontam como promissoras porque conciliam produção agrícola e pecuária com a restauração de carbono.


Silvipastoril e geração de créditos de carbono

No modelo silvipastoril, árvores (como de eucalipto ou espécies nativas) são integradas ao pasto, de modo que coexistem cobertura arbórea e pastagem. A Embrapa Pecuária Sudeste já demonstrou que, em média, essas árvores acumulam cerca de 8 tC hectare⁻¹ ano⁻¹ (≈ 29 tCO₂e ha⁻¹ ano⁻¹). Esse nível de sequestro viabiliza a certificação e comercialização de créditos de carbono para o produtor rural, abrindo uma nova fonte de renda sustentável.


Sistemas complexos / ILPF (Integração Lavoura-Pecuária-Floresta)

Os sistemas agroflorestais e, em especial, arranjos integrados (ILPF) com maior diversidade de espécies podem sequestrar entre 5,5 a 13 tC ha⁻¹ ano⁻¹ apenas no tronco, dependendo da combinação de culturas, densidades arbóreas e manejo. Essa capacidade torna esses sistemas uma base estratégica para projetos corporativos de insetting (redução de emissões dentro da própria cadeia) ou para se alinhar ao escopo 3 de grandes empresas.


Esses sistemas, se bem projetados, também promovem melhoria do solo (maior retenção de umidade, ciclagem de nutrientes), controle de erosão, microclima local mais estável e resiliência frente a secas.


Em relatório da Nature Conservancy (TNC) sobre caminhos para financiar carbono no Brasil, os autores apontam que o país dispõe de enormes áreas degradadas (ou subutilizadas) hoje aptas para restauração via vegetação ou uso sustentável, abrindo janelas para ações de natureza (NCS, do inglês natural climate solutions) com impacto climático e ambiental profundo.


Vale notar, porém, que nem todo crédito de carbono florestal é igualmente válido. A questão da adicionalidade (ou seja, garantir que o crédito representa um sequestro efetivo a mais do que ocorreria sem o projeto) é central em mercados confiáveis. Estudo da Climate Policy Initiative (CPI) mostra que, no caso amazônico, cerca de 77% dos créditos REDD negociados foram considerados adicionais — mas há variação significativa entre regiões floresta vs regiões pressionadas.


Ainda assim, existe crítica relevante: uma análise publicada na Proceedings of the National Academy of Sciences aponta que projetos voluntários de REDD+ no Amazonas podem ter superestimado a redução de emissões, ressaltando necessidade de métricas mais robustas e fiscalização independente.


Políticas de proteção, fiscalização e impactos sociais


A eficácia de qualquer estratégia de conservação ou restauração depende de três pilares: governança, monitoramento em tempo real e engajamento local.


Áreas protegidas, terras indígenas e o valor da regulação

Dados consolidados apontam que áreas sob regime de proteção — unidades de conservação e terras indígenas — registram taxas de desmatamento até dez vezes mais baixas que áreas sem proteção legal efetiva. Esses territórios funcionam como barreiras geográficas e políticas à expansão ilegal. Fortalecer essas áreas, ampliar o escopo territorial protegido e garantir o protagonismo das comunidades tradicionais é essencial para manter os sumidouros de carbono.


Monitoramento e fiscalização remota

Sistemas como DETER (detecção quase em tempo real de desmatamento) e PRODES (monitoramento consolidado anual) são instrumentos centrais no arsenal de controle ambiental brasileiro. Aumentar a cobertura, reduzir latência de alertas e integrar estas ferramentas com respostas rápidas e operacionais é vital para frear ações ilegais no momento em que ocorrem.


Vale destacar estudo recente (Araujo et al., 2025) que correlaciona a expansão do DETER como instrumento de fiscalização com impactos sociais positivos: eles estimam que o aumento da presença estatal por meio de monitoramento reduziu aproximadamente 1.477 homicídios por ano na Amazônia — um recuo de 15% nas taxas de homicídio em regiões frágeis institucionalmente. Ou seja: combater o desmatamento também traz dividendos sociais expressivos.


Incentivos econômicos: PES, fundos e créditos vinculados ao território

Para que o esforço de conversão de terra degradada ou proteção de matriz florestal seja sustentável, é preciso haver incentivos financeiros consistentes. Alguns mecanismos em debate ou em curso incluem:


  • Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), que remuneram proprietários ou comunidades por manter ou restaurar serviços ecossistêmicos.


  • Créditos de carbono territoriais, onde os benefícios são distribuídos localmente, criando vínculos diretos com as cadeias produtivas regionais.


  • Fundos públicos como o Fundo Amazônia, que já se posicionou como medida de “green fix” entre compensações e políticas públicas. Um estudo dedicado aponta que o Fundo Amazonía representa um protagonismo do Sul global no desenho e negociação de REDD+, e deve ser refinado para garantir transparência, equidade e adicionais impactos sociais e ambientais.


  • Esforços de contabilidade ambiental local e regional, como os estudos sobre “contabilidade ambiental para as Amazônias paraenses” (Pinheiro, 2019), que criticam a ausência de registros sistemáticos dos fluxos ambientais em contextos amazônicos e propõem modelos de mensuração mais integrados com a realidade local.


Parcerias público-privadas e compromissos corporativos


O papel das empresas é fundamental: ao integrar compromissos climáticos (net zero) às suas cadeias de suprimento, elas podem investir em projetos de carbono localizados e sustentáveis. A Amazon Connection Carbon (ACC), por exemplo, pode articular parcerias entre atores privados, comunidades e governos locais para desenhar projetos que gerem créditos de carbono com rastreabilidade, rigor metodológico e benefícios sociais.


Além disso, acordos internacionais recentes mostram o potencial de mercado: em 2024, empresas passaram a comprar créditos de carbono da Amazônia por cerca de US$ 180 milhões, via uma coalizão, alinhando seus compromissos climáticos com iniciativas amazônicas.


Em 2025, outro exemplo bastante relevante: o banco Standard Chartered firmou acordo com o estado do Acre para comercializar créditos florestais regionais pelos próximos cinco anos, com ênfase em transparência e repartição de benefícios locais (72% dos recursos para comunidades indígenas e tradicionais). Esse modelo territorial tenta mitigar críticas sobre créditos florestais especulativos.


Essas movimentações apontam para um mercado mais estruturado e atento ao valor local dos serviços climático-ambientais.


Perspectivas e recomendações estratégicas


Diante desse mosaico de desafios e oportunidades, algumas diretrizes se impõem para que a Amazônia Legal continue desempenhando seu papel crucial como mitigadora climática:


  1. Incentivar sistemas integrados de uso da terra

    Ampliação e promoção de silvipastoril, ILPF e agroflorestas com arranjos locais robustos — além de gerar renda — garantem sequestro eficiente de carbono e diversificação produtiva.

  2. Aprimorar fiscalização e monitoramento em tempo real

    Ampliar a rede DETER, reduzir latência de alertas e associá-los a ações operacionais imediatas. Integrar dados satelitais com insumos locais e sistemas de fiscalização interinstitucional.

  3. Fortalecer incentivos financeiros locais e territoriais

    Estruturar mecanismos de PSA bem desenhados, crédito de carbono territorialmente vinculados e fundos públicos transparentes para custear conservação e restauração.

  4. Promover parcerias público-privadas bem equilibradas

    Garantir que projetos de carbono envolvam comunidades locais e que os benefícios retornem à base produtiva regional. A ACC pode assumir papel de integradora técnica entre empresas, governos e atores locais.

  5. Refinar metodologias e garantir credibilidade

    Priorizar critérios rigorosos de adicionalidade, permanência e quantificação metodológica. Evitar armadilhas de créditos ilusórios e consolidar esquemas com supervisão independente.

  6. Incentivar pesquisa e contabilidade ambiental regional

    Apoiar estudos locais de contabilidade ambiental, inteligência territorial e monitoramento participativo (ex: Amazônias paraenses) para internalizar fluxos ecológicos e sociais nas decisões de uso da terra.

  7. Estimular compromissos e demanda corporativa por carbono de qualidade

    Empresas devem preferir créditos derivados de projetos rigorosos, com rastreabilidade, impacto social e integridade metodológica. Exigir transparência e certificação robusta.


Em longo prazo, o que está em jogo vai muito além de metas nacionais de emissões: é a saúde dos grandes ciclos hidrológicos da América do Sul, a resiliência climática regional e o papel da Amazônia como “pulmão” do planeta. A reversão dessa equação depende da sinergia entre políticas públicas, mercado de carbono e capital social local.


Fontes e referências

  • CRIVELARI-COSTA, P. M. et al. (2023). Changes in Carbon Dioxide Balance Associated with Land Use and Land Cover in Brazilian Legal Amazon Based on Remotely Sensed Imagery. Remote Sensing.

  • INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. (2023). Taxa consolidada de desmatamento na Amazônia Legal Brasileira 2022/2023: 9.064 km² (PRODES).

  • Observatório do Clima. (2025). Desmatamento na Amazônia sobe 91% em maio: 960 km² derrubados.

  • Phillips, O. L. et al. (2016). Carbon balance of Amazon forests: the human dimension. Carbon Balance and Management, 11(1).

  • Bernardino, A. F. et al. (2024). Avoiding Amazonian mangrove deforestation mitigates almost a million tons of CO₂e per year. Nature Communications, 15(189).

  • Leal Filho, W. et al. (2025). Managing ecosystem services in the Brazilian Amazon. Geoscience Letters.

  • NOAA – National Oceanic and Atmospheric Administration. (2024). Deforestation and warming flip part of the Amazon forest from carbon sink to source.

  • EMBRAPA Pecuária Sudeste. (2023). Árvores em sistemas integrados acumulam 8 t de carbono por hectare a cada ano.

  • The Nature Conservancy (TNC). (2024). Carbon Finance and Natural Climate Solutions in Brazil.

  • Climate Policy Initiative (CPI). (2023). Carbon Credits in the Amazon: Assessing Project Additionality.

  • Hochstetler, K. (2024). Fundo Amazônia e o protagonismo do Sul Global no REDD+. Antipode, 56(2).

  • Pinheiro, A. C. S. (2019). Contabilidade Ambiental para as Amazônias Paraenses. arXiv preprint, 1910.06499.

  • Araujo, M. et al. (2025). Combating Deforestation Reduces Violence in the Brazilian Amazon. arXiv preprint, 2509.06076.

  • PNAS – Proceedings of the National Academy of Sciences. (2023). Voluntary REDD+ projects in the Brazilian Amazon: challenges and overestimation of emission reductions.

  • Reuters. (2024–2025). Empresas compram US$ 180 milhões em créditos de carbono da Amazônia / Standard Chartered fecha acordo para vender créditos florestais no Acre.

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